Nosso sentido de separação tem estado conosco desde os primórdios dos tempos e os ensinamentos para a viagem de volta também se estenderam para além de nossa memória.
Podemos estar certos de que, pelo menos durante os últimos cinco mil anos, aproximadamente por toda a história registrada, a maior parte da humanidade tem vivido em um estado de separação de Deus. Quando e onde aconteceu nossa separação original? Uma resposta possível é que aconteceu em algum ponto no tempo antes deste ciclo de civilização.
Para explorarmos o mistério mais profundamente, daremos uma olhada em um dos registros mais antigos e familiares da história de nossa origem - a história da queda da "graça" sofrida pela humanidade e a perda do Éden, conforme contada pelo livro de Gênesis. A lenda insinua que, em algum ponto de nossa história, caímos profundamente em um sentido de separação de Deus. Ela sugere a possibilidade do Éden ter sido uma forma mais antiga de civilização onde isto acontecia. Se isto for verdade, não temos qualquer registro conclusivo sobre o fato.
Você pode estar imaginando que relevância esta lenda teria em relação à humanidade ocidental moderna. Ainda assim, sendo essa história literal ou mesmo uma descrição alegórica de nossa origem, a influência que teve na consciência humana em suas contínuas narrações, através dos milênios, deixou marcas na formação de nossa percepção. Precisa ou não, literal ou alegórica, o fato é que a temos ouvido tantas vezes, que acabou por se tornar um arquétipo passado através das gerações e, portanto, mantém o poder de afetar nossa aparelhagem mental.
Se a história de Adão e Eva é uma alegoria de nossa evolução até a forma humana então é também uma descrição de nossa "queda" aparente na separação. Enquanto que a história insinua muitos aspectos de perda para a humanidade, o que queremos examinar aqui é a idéia de que nos tornamos autônomos. Olhamos para isto no contexto de nossa discussão porque separação implica em autonomia. Após a queda, o apoio de Deus desapareceu, ou pelos menos foi esta a impressão criada. Adão e Eva não mais podiam aproveitar-se dos prazeres do Éden que Deus gratuitamente fornecia, a menos que trabalhassem para si mesmos. Eles tornaram-se separados do aconselhamento de Deus e do apoio de Deus, e foram, de fato, amaldiçoados. Adão e todos os seus descendentes, devido a sua separação e autonomia, precisariam trabalhar para garantir sua sobrevivência e para cuidar de si mesmos. Em algum nível de nossa consciência gravamos essa história como a perda de nossa conexão divina. Ela descreve metaforicamente a condição à qual a humanidade está agora sujeita - aquela de ter que aparentemente sustentar-se -, assim como as condições através das quais os véus de separação começaram a existir.
Esses são extamente os véus que obscurecem a centelha divina em nosso interior - a centelha divina que os místicos dizem estar em nossa verdadeira natureza.
É interessante notar aqui, entretanto, que a história também implica que houve um ganho para a humanidade, no fato de ela ter-se tornado separada e autônoma. Separação e autonomia vieram a criar o efeito de estarmos no controle ou, aparentemente, "brincarmos de Deus no mundo".
O Gênesis 3:22-23 diz: "E o Senhor Deus disse, eis que o homem tornou-se um de nós, conhecendo o bem e o mal. Portanto o Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, para cultivar o chão de onde ele foi tirado". Então, paradoxalmente, essa experiência de separação e autonomia também nos dá a experiência de ser como um deus e enecenar ser um deus em relação ao mundo, em vez de ser um com Deus, o que é o estado de iluminação. Autonomia é a aparente capacidade de estar no controle de nossas próprias vidas, de ser o fazedor. Também nos torna sujeitos à polaridade - bem e mal.
Seja qual for a data que essa lenda começou, a crença em separação e autonomia - tanto na perda como no ganho para a humanidade - tem persistido em nosso mundo até os dias de hoje. É essa crença prevalecente que a humanidade no Ocidente tem hoje de seu relacionamento com Deus.
Antes da dissolução das civilizações de deusas mais antigas e antes do advento da era patriarcal, que começou por volta de 3.000a.C., a mente estava mais enraizada na natureza e, portanto, mais em conexão com o espírito da terra. Nas culturas de deusas anteriores, uma cosmologia de muitas formas diferentes de energia e divindades da natureza era venerada e celebrada em lugar prescrito e próprio do cotidiano. Apesar de os habitantes das culturas de deusas viverem de uma maneira que permitia algo como uma união mística com os reinos invisíveis, ainda assim vivenciavam certo grau de separação entre eles e Deus.
A separação, ainda que em menor intensidade do que nossa presente época, já estava presente na mente humana.
Quando nossa era se iniciou, com o nascimento do patriarcado, por volta de 5.000 anos atrás, o pouco sentido de conexão que havia começou a ser perdido. Com a exceção de muitas culturas indígenas, que ainda guardam reminiscências de aspectos das culturas de deusas antigas e cujo relacionamento com a natureza e o Espírito tem sido mais integrado, o humano moderno e tecnológico tendeu a escorregar para dentro de uma filosofia de profunda separação em relação ao Espírito. Nós viemos a viver progressivamente essa separação, mal lembrando que existe qualquer outra maneira de ser. À Proprção em que os milênios se passaram, a humanidade construiu um programa na onsciência que a tem levado mais e mais em direção a um estado de ignorância sobre sua verdadeira natureza.
Em seu facinante livro Arte Física, Leonard Shlain afirmar que a "partir do século VA.C., Parmênides dividiu o mundo em ser e não ser. Seu pupilo, Demócrito, logo o seguiu separando rigidamente o "átomo" e o "vazio". Platão e Aristóteles, posteriormente, endossaram a lógica do "isto, ou aquilo", e o Cristianismo incorporou uma dualidade maniqueísta na doutrina de bem e mal, e céu e inferno. Mais tarde, Descartes dividiu o dentro e o fora e, fazendo isso, fortemente influenciou todos os filósofos e cientistas subsequentes".
Por gerações a humanidade moderna tem estado condicionada a manter Deus no exterior. Apesar da pregação de Jesus, que nos disse claramente há 2.000 anos atrás que "o reino de Deus está dentro de vós"(Lucas 17:20), ainda estamos procurando a verdade fora de nós. Ainda mantemos a crença de que o exterior é separado e também desconectado daquilo que, intrinsecamente, somos em nossos corpos e em nossas identidades limitadas.
Parece ter sido o destino da humanidade construir a sua separação e desconexão da fonte, como a viagem do filho pródigo, o próposito da vida sendo o de crescer de volta em direção à unidade. O estudo dessa viagem é que chamamos de metafísica. O porquê de fazermos essa viagem em primeiro lugar é uma das questões metafísicas mais básicas, ainda que mais complexas.
(texto do livro O CASAMENTO DO ESPÍRITO - VIVENDO ILUMINADO NO MUNDO DE HOJE - Leslie Temple - Thurston)
VENDO ILUMINADO NO MUNDO DE HOJE