" A verdadeira generosidade exige uma percepção lúcida da vida. E essa lucidez representa a compreensão de que há uma Fonte de Tudo. Essa fonte tem uma vontade distinta daquela que é nossa, mas não nos é totalmente estranha porque fazemos parte dela.
Ao contrário da lucidez, a ilusão está associada meramente à vontade pessoal. Claro que é difícil para nós não capitular diante dessa vontade pessoal, porque seu epicentro está em nós mesmos. Abraão sabe que o único antídoto legítimo à vontade pessoal é o reconhecimento de uma outra Vontade que nos alimenta e dá abrigo. É essa Vontade, e não a vontade, que nos garante a hospedagem.
Para perceber isso, porém, é necessário estar em movimento na vida. É preciso estar indo para uma terra prometida, porque o sedentário só distingue a vontade pessoal. E se for assim, então uma caneca de vinho custa tanto e um pedaço de pão outro tanto. Tudo passa a ter um valor sedentário muito distinto do valor dinâmico. Um é o valor de alguém que acredita possuir e dominar, outro o valor de alguém que usa e deixa para o próximo peregrino. Mundos muitos diferentes! Abraão vem fundar a possibilidade peregrina, os valores peregrinos.
O ser humano faz de sua vida uma tentativa de sustentar as demandas de sua vontade pessoal. Pensamos então nas tendas, nos oásis que poderão saciar nossos desejos. Fantasiamos ambientes que desejamos adentrar, hospedagens que gostaríamos de usufruir e sonhamos pertencer a este ou àquele clube ou ter determinado status. Mas batemos em portas que muitas vezes se fazem fechadas para nós e ficamos inconsoláveis. Entramos então na modalidade da insistência e obstinação. A vontade é tão real e tão sedutora, que nos faz permanecer diante das portas ou impossibilidades, obcecados pelas possíveis recompensas que estão do outro lado. O que Abraão descobre, seu ovo de Colombo,é o que revela uma bela máxima sufi: "Minha vida toda fiquei batendo na porta esperando que abrissem sem saber que eu estava batendo pelo lado de dentro."
Esta é a razão de ter sua tenda aberta a todos os lados.
Abraão sabe que batemos pelo lado de dentro - de dentro da vida. Nenhum de nós está excluido, seja qual for nossa condição: estar de fora sem conseguir entrar.
Abrir sua tenda não é uma atitude moral, um escambo com a vida para através de solidariedade prover no futuro uma carência que hoje existe em abundância. A bondade não é um pecúlio para os dias de inverno. Mas é, ao contrário, a descoberta de que batemos na porta de dentro. Isso significa que nós mesmos somos a abundância, fazemos parte da diversidade sem nunca deixar de ser parte do Todo.
E com esta visão, de quem está dentro e não de quem tem que adentrar, abrimos não apenas nossas tendas.
Abrimos a tenda maior, que é nosso coração. Essa tenda que abriga tanto nossa identidade como nossa paixão não tem que ficar fechada.
É verdade que as portas, tal como as epidermes, protegem a diversidade. Blindam nossa individualidade e parecem itens indispensáveis à sobrevivência. No entanto, a diversidade que não se reconhece como parte de algo maior ficará encerrada onde, na verdade, não há qualquer porta ou parede. Assim, o indivíduo será um prisioneiro de sua visão de mundo e fará de sua pele uma couraça que enclausura. Setenciado ao isolamento sob a ilusão de que está protegido. Melhor a viagem que nos faz vulnerável do que a segurança que nos rouba o caminho. Melhor enfrentar a vertigem do horizonte e usufruir da liberdade do que inventar portas reconfortantes que nos fazem cativos e solitários."
Texto do livro Tirando os Sapatos - pag 98 a 101 - Ed. Rocco
Autor Nilton Bonder
RHEBECKA SOUZA
Somos seres com alma de borboleta, plena de beleza e harmonia, habitando num corpo onde as emoções e desejos, numa espécie de casulo nos aprisionam nos corpos físico, emocional, mental e espiritual, até que a compreensão e a consciência nos eleve ao que somos verdadeiramente, seres de luz.
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