" Por que somos feitos assim, por que não o sabemos e por que, quando ficamos sabendo, temos tanta dificuldade para aceitar o fato? Afinal, não é tão extraordinário ter as costas fortes, mais fortes do que a barriga. Percebe-se que a natureza tem grande consideração pelas costas. A maioria das espécies, os animais de penas, pêlos ou escamas, ostenta enfeites e cores na face dorsal. Um gato ou uma joaninha trazem nas costas todo o colorido que lhes falta à barriga. Mesmo se a cor for discreta, nas costas será mais intensa; e a barriga, quando à mostra parece desbotada, fraca e nua. Aliás, os animais não gostam de mostrar a barriga e só o fazem em situações de perigo ou submissão. Guardam para si a intimidade vulnerável da própria barriga.
Já nós, que ficamos sobre dois pés e que temos agora a face dorsal atrás de nós, mostramos espontaneamente a face ventral, que se tornou face anterior. Mas nem por isso as coisas mudaram. Se não temos desenhos brilhantes na pele das costas, temos, porém, sob a pele toda a força. Ela não mudou de lugar quando mudamos de posição. Nossa condição de bipede não modificou nada na distribuição dos músculos. Nos pormenores, sim; mas, nada, nos aspectos principais.
Continuamos com essa testemunha de tempos imemoriais agarrada às costas. Com ela,conseguimos nos desapegar das águas primitivas, a seguir, da lama, das reptações. Fizemos muito esforço para nos erguermos sobre os dois pés. E conseguimos.
E, agora, o que fazer com esta tara que ficou agarrada atrás de nós? Negá-la. É o que fazemos. Apaixonadamente. Com o mesmo afinco com que outrora se negava a hipótese de nossa origem animal.
O passado nos puxa para trás e, com as costas petrificadas, fossilizadas, dá até a impressão de que tememos cair para esse lado. É difícil ser novo-rico, e relutamos em aceitar a fabulosa herança. Os antepassados que a deixaram para nós - répteis de outra era - estão no entanto presentes em nossa memória muscular. Assim como, de modo mais confuso, em nossos miolos. Para que servem todos os monstros da ficção científica, os monstros cinematográficos que reavivamos, a não ser para exorcizar a memória?
As escamas tornaram-se carapaça, pêlos, pele; as barbatanas tornaram-se patas, estreitas ou largas, compridas ou curtas, palmadas ou não não, de acordo com as necessidades do terreno. Rabos, chifres: as excrescências mais extravagantes apareceram, desapareceram. O crânio, os maxilares, os dentes, tudo se transformou. Apareceram os pulmões e as mamas dos mamíferos.
Mas, no meio de todas as metamorfoses, a coluna vertebral persiste. A natureza, que dispõe de imensa capacidade inventiva, produziu de uma vez por todas sua obra-prima e quase não precisa retocá-la. Por isso, temos hoje - de costas - uma semelhança que não engana. Por mais que tentemos reverter a realidade e, ao invés de aceitar a robustez ancestral, continuamos a imaginar que agora somos fracos, temos mesmo de carregá-la às costas.
A prova? Não conseguimos mover nossa coluna a não ser como se ainda estivéssemos na era das reptações.Discretamente, é verdade, mas com certeza. Nossa musculatura dorsal tem ceto parentesco com a das serpentes, destas que existem hoje. As curvas sucessivas que fazem com o corpo, também nós as fazemos. A serpente começa inclinando a cabeça, e todo o resto acompanha. Sua coluna vertebral logo faz três ou quatro curvas sucessivas da cabeça á cauda. No lado côncavo de cada uma das curvas, os músculos da serpente se contraem. Desse modo, a coluna do réptil em movimento não passa de uma sucessão rápida de contrações que se desfazem e logo se recompõem.
Os répteis, atletas no seu gênero, só possuem a musculatura que tem nas costas. Nem pés nem patas, e nada na barriga. A musculatura ventral não existe. Apenas escamas ventrais, para apoio. A força, a rapidez diabólica, a imobilidade e a misteriosa agilidade lhes vêm das costas. Só das costas.
O que temos a ver com isso? Os répteis podem nos ajudar a compreender melhor certos mecanismos de nossos movimentos, porque nos oferecem uma espécie de arremedo do que fazemos com nossos músculos. É verdade que temos uma musculatura ventral - anterior; mas, de acordo com um programa original que não está prestes a desaparecer, é a musculatura dorsal que faz o trabalho pesado.
Se inclinamos a cabeça, o movimento se propaga até o fim da coluna e, depois dela, até a extremidade dos dedos dos pés. A pessoa pensa que está só inclinando a cabeça para o lado direito, por exemplo. Mas, ao inclinar, contrai (e encurta) o lado direito da nuca, o lado esquerdo do dorso, o lado direito da região lombar e o lado esquerdo da perna. Quanto mais tensos estiverem os músculos, mais evidentes serão essas compensações. Se as contrações musculares persistem no lado côncavo de nossas curvaturas, acabam formando um S, como no caso da escoliose.
A contração para a serpente é vida. Serpente flácida é serpente morta. Não somos serpentes, apesar das inquietantes semelhanças na organização muscular, e não corremos risco de vida ao perder nossa rigidez. Mas, "nunca se sabe..." parecem dizer dentro de nós velhos temores".
Thérése Bertherat - Livro a Toca do Tigre
RHEBECKA SOUZA
Somos seres com alma de borboleta, plena de beleza e harmonia, habitando num corpo onde as emoções e desejos, numa espécie de casulo nos aprisionam nos corpos físico, emocional, mental e espiritual, até que a compreensão e a consciência nos eleve ao que somos verdadeiramente, seres de luz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário